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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O SEMBLANTE DO FALECIDO !

O Semblante do Falecido        


                         Juvenildo era um cara simples.    Vivia com a mulher e a cunhada. As irmãs metralhas da vida do pobre, que viviam infernizando o coitado, só porque ele havia recusado uma boa quantia em dinheiro, oferecido por sua mãe, dizendo não precisar, porque era feliz do jeito que estava.
                        Certo dia Juvenildo atende ao telefone.    Era sua mãe, Dona Perpétua.    As irmãs metralhas pegam logo na extensão.
                        A mãe de Juvenildo mudara de estratégia, oferecendo agora a mesma quantia como herança e como um bom filho que é, Juvenildo não pode dizer não.     Mas havia uma condição.     Dona Perpétua sentia que o filho não era lá muito feliz com a mulher e, embora sempre negara, a mãe resolveu ir visitá-lo para checar pessoalmente e, dependendo do que iria ver, ela o poria ou não no testamento.
                        Para Juvenildo não fazia muita diferença, mas, para as irmãs metralhas sim, fazia muuuiiita diferença.
                        Tão logo desligaram o telefone, Juvenildo foi para a roça, como faz todas as manhãs, enquanto a mulher e a cunhada mancomunavam como iriam receber a vultuosa soma de herança, porque havia um grande obstáculo atrapalhando os planos.    O marido.  O pobre era magro de dar dó.  Pele e osso praticamente.    E não era por falta de dinheiro não, porque a pensão do Juvenildo dava pro sustento.   Era má vontade da mulher de dar uma comida melhor pro marido (o que sobrava no prato da cunhada).
                        A mulher então, pensando em vóz alta, assustou até a irmã,  que já não valia grande coisa:

-       Esse miserável vale mais, morto do que vivo. (murmurando)
-       O que é que você tá dizendo ?
-       Isso mesmo que você ouviu.
-       Você enlouqueceu ?   Quer nos botar na prisão ?
-      Que prisão coisa nenhuma.    Não podemos apresentá-lo pra mãe dele,       com essa cara de doente, quase moribundo.
-       E o que vamos fazer ?

-       Vamos colocar um veneno da comida dele.   Ele enfarta e depois chamamos o coveiro para dar um enchimento nele e um semblante de felicidade no rosto e pronto.   Fazemos uma representação e a mãe do pobre vai ficar com tanta pena que vai deixar testamento, dinheiro, cartão de crédito e tudo mais.

-       E agora, o que faremos ?
-       Vamos procurar aquela velha que todos chamam de bruxa, que mora lá no alto do morro, que faz porções poderosas pra qualquer coisa.

                        Chega a hora do almoço.    Juvenildo, antes de ir pra casa, passa primeiro na birosca pra comprar a sua cachaça 5l e esconde dentro das calças, porque a mulher o proibira de beber.    Juvenildo entra em casa, vai pro banheiro se lavar e depois corre pro quarto pra esconder a garrafinha debaixo do colchão.    Depois se senta na mesa e começa a devorar a comida.   As irmãs ficam cochichando:

- Até parece que gosta de veneno.

 Juvenildo acaba de comer, dá aquele arroto e vai pro quarto, dizendo que iria descansar.   As irmãs:

-  Tomara que seja pra sempre.   

                        Juvenildo entra no quarto, fecha a porta, enfia a mão sob o colchão e pega a cachaça.    Toma quase que num gole só e depois se deita pra enfim relaxar.     Lá na cozinha, as duas ficam resmungando:

-       Quanto tempo leva pra fazer efeito ?
-       Sei lá.   A bruxa disse que levava só alguns minutos.

                       A mistura do veneno com a cachaça deixou Juvenildo com uma baita dor de barriga e como o banheiro ficava dentro do quarto ele não perdeu tempo.     Entrou, sentou, gritou, peidou, gemeu, fazendo as irmãs acreditarem que o coitado estava agonizando lá no quarto.

- Você não disse que era rápido ? Escuta só isso.  Daqui a pouco até os vizinhos vão ouvir.

                       Juvenildo deu mais alguns gemidos, soltou uns rojões e depois parou e foi se deitar.    

-       Escuta !
-       Não tô ouvindo nada.
-       Exatamente.   Acho que agora acabou.
-    Olha, pelo sim, pelo não, vamos jogar uma partida de brite e daqui a umas duas horas a gente vem conferir.

                        Passado uma boa meia hora, Juvenildo acorda meio atordoado, pois a cachaça havia cortado o efeito do veneno.   Abre a porta e ouve uma falação que vinha lá da cozinha.    Ele sai do quarto, chega perto da cozinha mas não entra e fica ouvindo as irmãs conversarem sobre todo o plano e o pobre do Juvenildo fica indignado.    Ele já ia invadir a cozinha pra tirar satisfação, quando teve uma ideia melhor:  Tomar parte do plano das duas.

Juvenildo ouve elas dizerem que vão até o quarto checar se ele já havia partido dessa pra melhor e corre pro quarto, se deita e espera pelas duas.  
Quando elas entram, ele pára de respirar.   Elas parecem não terem certeza do óbito e demoram, deixando Juvenildo roxo, sem poder respirar.    De repente alguma coisa acerta a janela e as irmãs vão ver o que houve.   Era a chance que ele tinha de encher os pulmões novamente.
                       Mas elas não voltam pro quarto e vão procurar pelo coveiro, lá no cemitério da cidade.
                       Juvenildo, que não é mais bobo, liga para o delegado que era seu amigo de pescaria, conta a história toda e arma o circo antes da mulher, que quando volta para casa, já encontra o marido num caixão sobre a mesa de jantar, no meio da sala com as velas já acesas e improvisa:

-       Santo Deus, mas o que houve aqui ?  O que aconteceu com o Juju ?
-       Jujú ?  Exclama o delegado.
-       Era assim que eu carinhosamente o chamava.
-    Bem, senhora, a sua vizinha veio para pedir um punhado de açúcar, sentiu um mal cheiro e viu o falecido caído no chão, depois foi à delegacia me chamar.     Explicou o delegado.

                        A primeira coisa que ela queria era conferir era o semblante do falecido.  Se aproximou do caixão, tirou o lenço da bolsa pra disfarçar e olhou para dentro do caixão. Juvenildo estava com o semblante de felicidade estampado no rosto, imaginando a lição que daria à mulher e a cunhada.
                        As duas então começaram a elogiar o defunto e, à medida que a hipocrisia ia lhe doendo a alma, seu semblante ia se modificando e fechando.     A cunhada preocupada, cutucou  a  irmã:

-       Veja ! O semblante dele está mudando.  Faça alguma coisa.
-       Fazer o quê ?
-       Sei lá, se vira.  A idéia de matar teu marido foi sua
 

                        Ao ouvir estas palavras, Juvenildo muda o semblante outravez:

-       Veja, o semblante dele voltou ao que era antes. (cunhada)
-       É.  E foi depois de você falou aquelas coisas.
-       Isso é tolice.
-       A é ?   Faça o teste. (retruca a irmã)
-      Está bem.   Vamos ver...   Sabe que estou gostando de ver ele morto.   Pelo menos agora vou poder assar aquelas galinhas que ele nem deixava a gente chegar perto.

               Não deu outra.    Mal ela terminou de falar e o semblante do falecido fechou novamente.

-       Ái meu deus, que horror.   O que vamos fazer ?
-       Fazer pra quê ?
-       Como pra quê ?  Pra manter o semblante dele sempre feliz.   Pelo menos até enterrarmos ele.

Nessa hora entra a mãe do Juvenildo, que já sabia do circo armado pelo filho e o delegado.

-  Mas o que é isso ?  Então eu venho para ver o meu filho e o vejo dentro de um caixão ?   O que foi que aconteceu ?  Pergunta para a nora.
-  Não sabemos, foi de repente.

                        E o semblante fecha novamente.   A cunhada cutuca.   A mulher muda a versão:

-       É possível que ele tenha passado mal.
   
                        O semblante volta ao normal.   A mãe questiona de novo:

- Meu Deus, como ele era magro.   Não se alimentava direito ?

- Ultimamente ele andava sem fome.

                         O  semblante muda de novo.    A cunhada cutuca.   A mulher  conserta.    E essa seqüência foi se mantendo até que a mulher  cansou de dar desculpas e foi para o quarto com a irmã.   O delegado, como quem não quer nada, foi atrás e ficou próximo da porta do mesmo quarto, ouvindo a conversa das duas:

- Não agüento mais essa maldição.    Aquela mãe do infeliz me atormentava com tanta pergunta e aquele desgraçado toda hora mudava de cara.   Devia Ter colocado um litro daquele veneno no prato, pra ver se ele morria até na outra vida.

-       Xiiiii, fale baixo.
-       Fale baixo porquê ?   O defunto não pode mais nos ouvir.

                     Entra o delegado.

-   Mas eu sim.   As senhoras vem comigo.

O delegado conduz as irmãs pra fora do quarto.   Ao passarem pela sala, a cunhada cutuca a irmã novamente:

-       Minha nossa, veja aquilo !
-       Aquilo o quê ?
-       Lá.  O Falecido !

                     A mulher espantada vê o semblante do falecido não só feliz, mas com um sorrindo de orelha à orelha.    E vão às duas direto pro xilindró, por tentativa de assassinato, já que não houve realmente um falecido.   Somente Juvenildo, com um semblante feliz, por estar vivo, graças à cachaça.   

                    
                                                     ----  Fim   -----
                                                                                                                      
  Professor Amadeu Epifânio

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